Imagine o João. Ele é operador de máquinas em uma indústria de médio porte. Chega cedo, é respeitado pelos colegas, raramente falta. Mas, nas últimas semanas, algo mudou.
João anda mais calado, distraído. Esqueceu o crachá duas vezes. Na semana passada, se atrasou quatro dias seguidos. Hoje, pediu para falar com o RH e disse que queria se desligar da empresa.
A justificativa?
“Preciso pegar meu FGTS. Estou endividado. Não vejo outra saída.”
João é um entre 72 milhões de brasileiros inadimplentes, segundo dados atualizados da Serasa (2024). Isso significa que quase metade da população adulta do país está com o nome sujo.
Essas pessoas, como o João, estão no chão de fábrica, no escritório, no atendimento ao cliente, no setor comercial. Estão trabalhando enquanto tentam, ao mesmo tempo, pagar boletos atrasados, evitar ligações de cobrança e decidir se compram comida ou pagam o aluguel.
E tudo isso afeta o jeito como elas trabalham.
A dívida vai junto para o trabalho
A gente costuma pensar que os problemas financeiros ficam do lado de fora da empresa. Mas a realidade é outra. Quando o colaborador está endividado, ele traz o peso da dívida dentro da mochila, junto com a marmita.
Situação | % dos trabalhadores |
---|---|
Trabalham melhor quando estão com as contas em dia | 71% |
Não conseguem cumprir tarefas básicas quando estão endividados | 64% |
Sentem impacto emocional direto (ansiedade, estresse, insônia) | 66% |
Querem educação financeira como benefício oferecido pela empresa | 92% |
Já recebem esse apoio no trabalho | Apenas 30% |
Ou seja: a maioria sente, sofre e quer ajuda. Mas quase ninguém recebe.
Vamos voltar ao João. Só que agora, vamos descrever como foi o dia dele ontem.
06h30 – Acorda cansado. Passou a madrugada fazendo contas: qual dívida pagar com o que sobrou do salário?
07h15 – Pega o ônibus pensando em como contar pra esposa que não vai ter dinheiro para a escola do filho esse mês.
09h00 – Chega no trabalho. Concentração zero.
10h30 – Primeira cobrança do banco por telefone.
11h00 – Erra um processo da máquina. Precisa refazer tudo.
13h00 – Almoço sem fome. O estômago está cheio de ansiedade.
15h00 – Lê no grupo da família que o primo está desempregado. Sente medo.
17h00 – Antes de ir embora, faz uma busca no celular: “como pedir demissão para sacar FGTS?”
Esse é o mundo que muitos colaboradores vivem — em silêncio.
E a empresa, muitas vezes, nem percebe que está perdendo desempenho, saúde mental e até talentos.
Você pode estar pensando: “Mas isso não é problema da empresa, é da vida pessoal dele.”
A questão é: esse problema pessoal já está virando despesa para a empresa. Veja só:
Exemplo real de impacto financeiro:
Indicador | Cálculo | Resultado |
---|---|---|
43% perdem 3h/dia por estresse financeiro | 43 colaboradores x 3h x 22 dias | 2.838 horas improdutivas/mês |
Equivale a quantos funcionários? | 2.838 ÷ 176h (mês) | 16 pessoas improdutivas |
Custo mensal (salário médio R$ 3.000) | 16 x R$ 3.000 | R$ 48.000/mês |
Custo anual | R$ 48.000 x 12 | R$ 576.000/ano |
Você pode estar pagando 16 pessoas por mês para não renderem sem perceber.
E o que acontece quando o colaborador pede demissão por desespero?
É mais comum do que parece. Pedir demissão para “pegar o FGTS” virou uma estratégia de sobrevivência para muitos.
Custo por demissão (rescisão, seleção, integração) | R$ 54.000 por pessoa (média Brasil) |
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Se 10 pessoas saem por ano | R$ 540.000 de prejuízo |
Se você reduz 25% disso com educação financeira | Economiza R$ 135.000 |
E isso sem contar o tempo que a empresa perde com recontratação, treinamento e adaptação.
O RH precisa estar atento
O colaborador não vai, necessariamente, bater na porta do RH e dizer:
“Oi, estou com dívidas, posso fazer um curso de finanças?”
Ele vai pedir adiantamento, vai faltar, vai errar mais, vai perder o foco. Vai mostrar sinais. E o RH precisa estar com os olhos e ouvidos atentos.
Mais do que isso, precisa ser proativo.
Hoje, 75% dos profissionais acreditam que o RH é o responsável por trazer educação financeira para dentro da empresa. E isso é uma oportunidade, não um fardo.
Ou a empresa cuida disso, ou isso vai continuar custando caro
O João pediu demissão. E o RH, surpreso, se perguntou:
“Mas ele parecia tão bom funcionário…”
Parecia. E era. Só estava carregando o peso que ninguém via.
A sua empresa vai continuar perdendo talentos, dinheiro e produtividade por não cuidar das finanças do seu time? Ou vai entender que educação financeira é tão importante quanto segurança do trabalho e clima organizacional?
O sinal de alerta já está tocando. A diferença agora está em quem vai levantar da cadeira para fazer algo.
Gabriel Ramos de Padua