O colaborador entra na sala do RH. Está com os olhos baixos, fala pouco, mas decidido. Entrega o pedido de demissão. Não vai para outra empresa. Não recebeu uma proposta melhor. Na verdade, ele não quer sair. Mas precisa. Precisa sacar o FGTS para tentar pagar as dívidas. Precisa colocar comida na mesa. Precisa respirar.
Esse é o retrato silencioso que está se repetindo em empresas de todo o Brasil. E não estamos falando de uma ou duas exceções. Estamos falando de um sintoma real: colaboradores estão pedindo demissão para sobreviver.
Endividados, sobrecarregados emocionalmente e sem apoio, muitos trabalhadores enxergam no desligamento a única forma de conseguir algum alívio financeiro imediato. É o desespero que bate mais forte do que a vontade de continuar. E a empresa, que investiu em treinamento, cultura e retenção, perde o colaborador sem nem sempre entender o motivo real.
Esse movimento esconde algo muito maior: a crise financeira silenciosa dentro do ambiente corporativo. E ela tem se agravado com a facilidade de crédito, os aplicativos de aposta, o consumo emocional, o consignado em folha e a falta de orientação. Tudo isso empurra o colaborador para um buraco sem saída, e muitas vezes sem voz.
Pedir demissão para sacar o FGTS virou um último recurso. Mas também é o ponto final de um processo que começou muito antes: com boletos vencendo, ansiedade aumentando, noites mal dormidas e vergonha de pedir ajuda. É quando a cabeça já não consegue mais focar. O corpo está presente, mas o emocional está em ruínas. E como se não bastasse tudo isso, ainda existe o medo do julgamento: “Vão pensar que sou irresponsável”. “Não sei cuidar do meu dinheiro.” “Vou ser tratado como fraco.”
Enquanto isso, a produtividade cai. O erro aumenta. O clima pesa. O time sente. O líder desconfia. Mas ninguém conecta os pontos. Até que o pedido de demissão chega. E, com ele, a surpresa, ou pior, a indiferença.
A pergunta que precisamos fazer é: o que a empresa poderia ter feito antes desse colaborador chegar nesse ponto?
A resposta começa com uma mudança de olhar. O problema financeiro do colaborador é, sim, um problema da empresa. Porque quando ele não consegue entregar, a empresa perde. Quando ele se afasta por crise de ansiedade, a empresa perde. Quando ele pede demissão, a empresa perde. Perde tempo, perde gente, perde dinheiro. E muitas vezes, perde uma oportunidade de transformar a vida de alguém com uma ação simples: educação financeira.
Educação financeira corporativa não é um bônus. Não é um “mimo” do RH. É uma estratégia de cuidado e gestão. É ensinar o básico que nunca foi ensinado: como planejar, como controlar, como evitar dívidas, como sair delas. É conversar com clareza, sem julgamento. É abrir espaço para que o colaborador não precise pedir demissão para ter ajuda.
Quando a empresa assume essa pauta, ela ganha. Ganha foco, ganha clima, ganha lealdade. E mais do que tudo, ganha um time inteiro, presente de verdade.
Porque ninguém pede demissão no susto. E ninguém pede demissão para sobreviver se sente que tem apoio.
Se sua empresa já viu esse tipo de caso, talvez seja a hora de agir.
E se ainda não viu, talvez só não tenha percebido.
Mas o problema está aí. Silencioso, crescente e urgente.
E como toda bomba-relógio, a gente só tem duas escolhas: ignorar ou desarmar.
E você, tem investido em educação financeira corporativa?
Gabriel Ramos de Padua