Ninguém performa bem com a cabeça cheia de medo

Imagine começar o dia já devendo. O despertador toca, mas o corpo pesa. Antes mesmo do café, a cabeça está cheia: fatura do cartão estourada, aluguel vencendo, cobrança por mensagem, nome no vermelho. A pessoa levanta, se arruma, segue a rotina, vai trabalhar, mas por dentro está carregando algo que ninguém vê. A dívida virou um fantasma que caminha junto o tempo todo. Ela não respeita horário comercial. Ela não fica do lado de fora do escritório. Ela entra com o crachá, ocupa a mente e rouba o foco.

É essa realidade silenciosa que tem atravessado o cotidiano de milhares de trabalhadores no Brasil. Não é falta de competência. É excesso de preocupação. É sobrecarga emocional. É gente tentando trabalhar, atender, entregar, mas que no fundo está tentando sobreviver. As empresas, muitas vezes, enxergam o sintoma: produtividade caindo, atrasos, erros, desmotivação, rotatividade. Mas não veem a causa. E ela é mais comum do que parece.

Dados recentes mostram que mais de 72 milhões de brasileiros estão inadimplentes. Isso significa que, a cada dez adultos, pelo menos quatro estão devendo. E isso se reflete dentro das empresas. O colaborador que se atrasa, que está mais calado, que não participa das reuniões como antes, pode não estar desmotivado, mas sim esgotado. Esgotado de acordar no meio da madrugada sem saber como pagar o básico. Esgotado de viver para cobrir buracos.

Já vi casos assim de perto. Um colaborador exemplar, com anos de empresa, pediu demissão sem aviso. Não tinha nova proposta. Não estava insatisfeito com a função. Quando o RH chamou para entender, a resposta foi: “Preciso sacar meu FGTS. Estou com dívidas acumuladas, não vejo outra saída.” É isso. O colaborador não quer sair, mas precisa. E esse custo da rescisão, da perda do talento, da recontratação é jogado na conta da empresa. Silenciosamente.

O mais grave é que esses colaboradores sofrem sozinhos. Sentem vergonha de falar sobre dinheiro. Se culpam por não terem conseguido “se controlar”. Acham que erraram. E, muitas vezes, acham que merecem o sufoco que estão passando. Isso destrói a autoestima. E a autoestima baixa destrói a capacidade de agir, decidir, propor, liderar.

Ninguém performa bem com a cabeça cheia de medo.

Não existe plano de metas que funcione se o colaborador estiver emocionalmente travado. E a dívida não trava só o orçamento, ela trava o cérebro. O foco vai embora. A criatividade desaparece. O presente vira um incômodo, e o futuro vira ameaça.

E tudo isso gera custos altíssimos para as empresas: queda na produtividade, presenteísmo, absenteísmo, aumento no uso de convênio médico, clima tóxico, pedidos de demissão inesperados, perda de talentos, falhas na operação e, claro, impacto direto nos resultados.

O problema é que muitas empresas ainda tratam isso como “assunto pessoal”. Como se não fosse com elas. Como se o salário pago no quinto dia útil resolvesse tudo. Mas não resolve. Não enquanto houver crédito fácil, consumo desgovernado, falta de orientação, falta de planejamento, falta de apoio. Enquanto isso não mudar, a dívida vai continuar entrando junto com o colaborador. Vai continuar pesando nas costas de quem carrega caixas, metas, turnos, e responsabilidades sem conseguir respirar.

É por isso que a educação financeira dentro das empresas precisa deixar de ser discurso bonito e virar ação concreta. Não se trata de ensinar ninguém a investir em ações ou viver com planilha. É sobre criar espaço de acolhimento, informação e cuidado. É sobre dar ferramentas para que cada colaborador possa tomar melhores decisões, reorganizar a vida, planejar, sair do sufoco e voltar a enxergar futuro.

E o que a empresa ganha com isso?

Ganha foco, ganha presença, ganha retenção, ganha engajamento. Porque colaborador tranquilo, com a vida sob controle, é colaborador mais produtivo, mais leve, mais conectado com o que faz. É colaborador que entrega com gosto, que atende com atenção, que pensa soluções, que contribui com o time. É colaborador que veste a camisa porque se sente cuidado e não porque teme ser descartado.

A dívida é um peso invisível, mas real. E quem está de fora pode não ver. Mas quem vive dentro dela sente todo dia. Cuidar disso é cuidar da base. É cuidar do clima, da cultura, dos resultados e das pessoas que constroem a empresa dia após dia.

Ninguém performa bem com a cabeça cheia de medo.
Mas com a mente em paz e o bolso no controle, todo mundo pode render mais.
E a empresa, finalmente, deixa de apagar incêndio para começar a construir futuro.

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