Por Enio Klein
A euforia da IA chegou, mas a maturidade ainda não
A Inteligência Artificial Generativa se tornou a nova fronteira da produtividade corporativa. De reuniões de conselho a painéis de inovação, o discurso é o mesmo: a IA vai revolucionar tudo.
Mas quando olhamos para os números — especialmente no Brasil — o que aparece é um país empolgado, porém ainda distante da execução estruturada, da mensuração de valor e da governança necessária para transformar tecnologia em resultado.
Segundo o AI Index Report 2025, da Stanford University, os investimentos globais em IA generativa alcançaram US$ 33,9 bilhões em 2024, um crescimento de 18,7% em relação ao ano anterior. O Brasil figura entre os dez países que mais mencionam IA em comunicados corporativos, mas responde por menos de 1% desse volume de investimento — um dado que simboliza a distância entre o discurso e o comprometimento real com a tecnologia.
Falta de estrutura e governança
Segundo o Panorama da IA no Brasil 2025, da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software), apenas 27% das empresas brasileiras têm alguma iniciativa formal de IA, e menos de 10% contam com um modelo de governança para o uso ético e seguro da tecnologia. A maioria ainda trata a IA como um experimento isolado, sem integração com dados corporativos, sem controle sobre riscos e sem políticas claras de segurança da informação.
Esse dado é reforçado pelo IDC Brasil (2025): 83% das organizações nacionais afirmam estar testando IA generativa, mas somente 12% conseguiram expandir o uso para processos críticos de negócio com retorno mensurável. Em outras palavras, a IA está sendo testada, mas não está sendo governada.
O MIT Sloan Review Brasil vai além: em muitas empresas, os projetos de IA nascem fora do radar das áreas de TI e compliance. Essa “IA paralela” pode parecer ágil no início, mas cria um cenário perigoso — sem controle sobre os modelos usados, os dados processados e as decisões geradas.
O cerco regulatório se fecha
O contexto regulatório brasileiro também começa a apertar o cerco.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) já deixou claro que o uso de IA para tratar dados pessoais está sujeito integralmente à LGPD, inclusive nos princípios de finalidade, transparência e minimização.
E o Projeto de Lei 2338/23, atualmente em tramitação no Senado, deve criar a Lei Brasileira de Inteligência Artificial, impondo obrigações de governança algorítmica, avaliação de impacto e responsabilização civil e administrativa por decisões automatizadas.
Ou seja: o tempo dos “testes livres” está acabando. Empresas que não estruturarem políticas de governança de IA podem se ver expostas — jurídica e reputacionalmente — em um futuro muito próximo.
Segurança da informação: o elo mais frágil
Enquanto o entusiasmo cresce, a segurança da informação segue como o ponto cego da transformação digital.
O State of GenAI 2025, relatório da Palo Alto Networks, registrou um aumento de 890% no tráfego de aplicativos de IA generativa em ambientes corporativos e mais que o dobro de incidentes de vazamento de dados em ferramentas como ChatGPT, Copilot e Gemini.
No Brasil, o CETIC.br (TIC Empresas 2023) mostrou que 53% das empresas ainda não possuem política formal de segurança da informação. Isso significa que, na prática, mais da metade das organizações está experimentando IA generativa sem controles mínimos de proteção de dados e acesso.
Num país onde a maioria das infraestruturas críticas já sofre com vulnerabilidades conhecidas, adicionar IA sem blindagem é o mesmo que multiplicar a superfície de ataque.
Casos isolados de avanço
Há, é claro, iniciativas promissoras. O Itaú Unibanco criou o IA Academy e treinou mais de 2000 colaboradores em uso prático de IA generativa, com foco em produtividade e atendimento.
A TOTVS e a Magalu vêm testando copilotos internos voltados à eficiência de código e à melhoria do atendimento digital.
Esses exemplos, porém, confirmam uma regra simples: quem consegue gerar valor com IA não é quem adota mais rápido, mas quem governa melhor.
Os ganhos vêm quando dados, processos, segurança e cultura caminham juntos — e não quando a tecnologia é implantada isoladamente.
Fatos, não slogans
Os números são claros: o Brasil continua longe de capturar o valor prometido pela IA generativa.
Temos investimento baixo, pouca governança, risco alto e euforia excessiva.
O que falta não é entusiasmo, mas responsabilidade corporativa e maturidade institucional para transformar IA em resultado sustentável.
E isso exige três pilares:
- Governança de dados e IA, com políticas claras, papéis definidos e auditoria contínua;
- Segurança da informação e compliance, integrando LGPD, risco cibernético e controles de acesso;
- Capacitação prática, com aprendizado aplicado e mentoria, não apenas workshops motivacionais.
Conclusão: crescer com IA é governar com evidência
Crescer com IA não é sobre usar ChatGPT, mas sobre criar organizações capazes de pensar e agir com dados — de forma ética, segura e mensurável.
A transformação real não está na ferramenta, mas na cultura e na disciplina com que se governa seu uso.
Enquanto sobram discursos sobre “crescer com IA”, o que o Brasil precisa é crescer com fatos.
E isso começa quando conselhos e líderes assumem o papel de governar, não apenas de aplaudir a inovação.
Referências:
- Stanford University, AI Index Report 2025
- ABES, Panorama da IA no Brasil 2025
- IDC Brasil, Estudo de Adoção de IA Generativa 2025
- MIT Sloan Review Brasil, A Governança da IA e o Papel do Compliance
- Palo Alto Networks, State of GenAI 2025
- CETIC.br, TIC Empresas 2023
- Projeto de Lei 2338/23 – Senado Federal