A dívida que a empresa não vê, mas sente todos os dias

Por Gabriel Ramos

Imagine um colaborador que, antes de sair de casa para o trabalho, precisa decidir: “Pago o cartão ou compro comida?”
Ele pega o ônibus já aflito, recebe três ligações de cobrança antes de bater o ponto, e ao entrar na empresa, respira fundo para tentar “parecer bem”.
Mas ele não está bem. Nem consegue estar.

Medo de não conseguir pagar a luz. Medo de ver o nome sujo. Medo de não conseguir mais sustentar a própria família. Esse colaborador não está distraído por falta de foco. Ele está afundado em preocupações financeiras.

E esse é um problema que muitas empresas ainda tratam como “assunto pessoal”.

Essa é a realidade de milhares, talvez milhões de trabalhadores brasileiros que, mesmo em meio a dívidas, levantam todos os dias para ir trabalhar tentando dar conta de tudo. De fora, parecem bem. Mas por dentro, estão esmagados por um peso que a empresa não vê. Mas sente.

Esse peso tem nome: dívida. E o impacto dela vai muito além da vida pessoal. Ela entra na empresa todos os dias dentro da mochila, do crachá, da mente.

A dívida vai junto para o trabalho

Endividamento crônico afeta mais do que o bolso. Ele atinge a autoestima, a confiança e até a forma como o colaborador se relaciona com colegas, com o gestor e com a empresa.

A psicodinâmica da dívida é silenciosa, mas poderosa. Ela se manifesta em:

  • Culpa e vergonha: “Eu deveria saber lidar com meu dinheiro.”
  • Ansiedade constante: medo de ligações, do nome sujo, da inadimplência virando exclusão.
  • Fuga emocional: presenteísmo, apatia, distanciamento.
  • Autoboicote e desmotivação: “Se eu não consigo nem pagar as contas, por que me esforçar tanto?”

Essas sensações impactam diretamente a performance. O colaborador não se sente capaz, não tem clareza mental, não vê futuro, e isso mata o engajamento na raiz. Um prejuízo invisível (mas presente).

Você pode até não ver esse peso. Mas ele está nos erros simples.
Está no atendimento mecânico.
Está no vendedor que não liga mais.
No colaborador que se atrasa.
No gestor que se isola.
No líder que estoura emocionalmente por acúmulo de pressão financeira fora da empresa.

E esse prejuízo, embora invisível, é real.

Estudos da PwC mostram que 43% dos trabalhadores perdem até 3 horas por dia com preocupações financeiras. Em uma equipe de 100 pessoas, isso pode equivaler a 16 salários mensais perdidos em improdutividade.

Agora multiplique isso por um ano. Agora aplique isso ao seu negócio.

Dívida não é só sobre números. É sobre emoções.

Dívida não é só sobre números. É sobre emoções. Ao contrário do que muita gente pensa, não se trata apenas da falta de dinheiro, mas do excesso de medo, da vergonha silenciosa, da desorganização emocional que se acumula e transborda. A dívida altera a forma como a pessoa se enxerga no mundo. Ela enfraquece a autoestima, gera culpa, desperta um sentimento de fracasso e, pouco a pouco, constrói um ciclo mental destrutivo que bloqueia o raciocínio, rouba a produtividade e apaga a motivação de seguir.

Quem está nessa situação muitas vezes se sente sozinho. Olha ao redor e tem a nítida impressão de que todo mundo está avançando, enquanto ela mesma está parada, travada, afundando. Isso mina o senso de pertencimento. A pessoa começa a se afastar emocionalmente do trabalho, das pessoas, dos planos. E esse afastamento não aparece no atestado médico, mas custa caro.

O impacto é visível mesmo que a empresa não saiba nomear de onde vem. O colaborador endividado começa a se calar mais nas reuniões, a participar menos das conversas, evita desafios, recua de responsabilidades, aceita passivamente o que vier. Em casos mais extremos, pede demissão simplesmente para sacar o FGTS e tentar respirar. E quando esse colaborador sai, muitas vezes a empresa lamenta a perda, mas não percebe que poderia ter feito algo antes.

Esse tipo de comportamento afeta diretamente a operação. É o atendimento que parece frio. É o projeto entregue fora do prazo. É o cliente que vai embora e ninguém entende o motivo. É o time que perde um bom colega e se desestabiliza. Tudo isso se conecta. Tudo isso tem consequência direta no clima organizacional, nos indicadores de desempenho e, inevitavelmente, nos resultados financeiros.

Agora imagine uma equipe com 100 pessoas. Segundo estudos da PwC, cerca de 43% dos colaboradores perdem até três horas por dia lidando com questões financeiras pessoais. Isso representa quase 3.000 horas de improdutividade por mês, o equivalente a pagar 16 salários para pessoas que não estão conseguindo render. No fim do ano, essa conta chega a R$ 576 mil em perdas silenciosas. E isso sem contar o custo da rotatividade, os gastos com treinamento, os prejuízos com retrabalho, os afastamentos, os processos trabalhistas, o peso no convênio médico e o desgaste do clima interno.

A realidade nua e crua

Em uma empresa onde atuei, um operador pediu demissão de forma inesperada. Era bom, comprometido, querido por todos. Quando perguntaram o motivo, ele respondeu, com os olhos baixos: “Estou com o nome sujo, cheio de cobrança, não consigo mais sair do buraco. Preciso sacar o FGTS. Não tenho outra saída.” Esse tipo de desligamento não é raro. Tem acontecido em silêncio por todo o Brasil. Pessoas abrindo mão de bons empregos, não por falta de interesse, mas por desespero.

E a empresa, que investiu tempo, treinamento e confiança naquele colaborador, perde ele sem nem entender por quê. Sem saber que poderia ter ajudado. Sem perceber que, com um pouco de orientação e apoio, talvez ele pudesse ter ficado.

Educação financeira, nesse contexto, não é sobre ensinar alguém a mexer no Excel ou a investir na Bolsa. É sobre dar ferramentas emocionais e práticas para que a pessoa volte a ter controle da própria vida. É sobre ensinar a planejar, a sair do sufoco, a dizer “não” ao consumo impulsivo, a construir uma reserva. É abrir um espaço onde se possa falar sobre dinheiro sem vergonha. É mostrar que sim, é possível recomeçar com clareza, com calma, com consciência.

E quando o colaborador percebe que não está sozinho, que a empresa se importa de verdade, ele retribui. Entrega mais. Foca mais. Erra menos. Falta menos. Fica mais. A lealdade aumenta. O engajamento cresce. A saúde emocional se estabiliza. O clima melhora.

A empresa ganha. Ganha tempo, ganha gente, ganha produtividade. E o colaborador ganha futuro. Porque quando a cabeça está em paz, o corpo trabalha melhor, as decisões ficam mais claras e a vida volta a caminhar.

Esse é o poder de um programa de educação financeira bem estruturado dentro de uma organização. Não é uma campanha. É um cuidado. Não é um benefício. É um investimento que transforma.

COMPARTILHE:

POSTS

Mais recentes