A Gaiola de Ouro

Por Soraya Lopes

Era uma vez uma mulher chamada Clara, que morava em um apartamento de revista, desses com vista panorâmica, tapetes que afundam sob os pés e máquina de espresso que fazia o barista do bairro parecer um amador. Tinha um emprego de prestígio, onde seu e-mail era copiado em todas as decisões importantes, e seu nome era citado com reverência nas reuniões. Ela sorria, entregava, resolvia. E ganhava. Bem.

Mas algo nela doía.

Não uma dor escancarada — era mais um sussurro incômodo, como um alarme de fumaça sem fumaça. Acordava todo dia no mesmo horário, passava os olhos pelo mesmo planner, via as mesmas reuniões, os mesmos rostos digitalizados pelo Zoom. Todos diziam que ela tinha “chegado lá”. Mas lá… parecia tão longe de si mesma.

Numa dessas noites insones, Clara sonhou com um pássaro.

Era uma criatura linda, com penas douradas que brilhavam sob a luz do sol. O pássaro estava dentro de uma gaiola cravejada de pedras preciosas, com poleiros de mármore e alpiste gourmet. Todos que passavam pela gaiola exclamavam: “Nossa, que sorte a dele!”. Mas o pássaro olhava para fora, silencioso, com os olhos opacos. Até que num sopro do vento, a portinha da gaiola ficou entreaberta. E o pássaro hesitou.

Ao acordar, Clara sentiu o coração acelerado. Era só um sonho. Ou não.

Na semana seguinte, começou a fazer perguntas perigosas: E se eu dissesse não pra essa próxima promoção? E se eu tirasse férias e ficasse offline de verdade? E se eu me lembrasse do que eu queria antes de começar a querer o que esperavam de mim?

A cada “e se”, a portinha da sua própria gaiola se abria um pouco mais.

Foi então que percebeu: a gaiola era confortável, mas era, ainda assim, uma prisão. Uma prisão decorada com reconhecimento, salários altos, e expectativas alheias. Mas o maior cativeiro era aquele que ela mesma mantinha, com medo de decepcionar, de arriscar, de sair do roteiro.

Clara não saiu do emprego no dia seguinte, nem vendeu tudo para abrir uma cafeteria em Bali (embora tenha considerado). Mas começou a priorizar. Suas vontades, sua saúde, sua curiosidade. Voltou a pintar. Aprendeu a remar. Começou a dizer “não” com menos culpa. E um dia, sem que percebesse, já não havia mais grades — nem dentro, nem fora.

Porque mais importante do que sair da gaiola, era deixar de acreditar que precisava dela para ser feliz.

COMPARTILHE:

POSTS

Mais recentes