A vulnerabilidade financeira está movendo o mercado das bets

O colaborador entra no aplicativo, coloca R$ 20 no Pix e em segundos está apostando no “jogo do tigrinho”, ou esperando o gol que vai render o prêmio que pagaria o aluguel do mês. Não é entretenimento. É sobrevivência. E é esse tipo de desespero que está movimentando bilhões em apostas online no Brasil, e muitas vezes, direto do bolso dos trabalhadores mais vulneráveis.

Se engana quem pensa que o apostador típico é um jovem de classe média brincando com sobras do cartão de crédito. O que os dados mais recentes mostram é o oposto: os maiores impulsionadores desse mercado são os mais pobres, os endividados, os chefes de família e até beneficiários de programas sociais.

O tamanho do problema

De acordo com o Estudo Especial nº 119 do Banco Central, foram R$ 20,8 bilhões em apostas feitas via Pix somente em junho de 2024, com mais de 56 plataformas operando irregularmente. Entre os apostadores:

  • 24 milhões de brasileiros realizaram pelo menos uma aposta no mês;
  • 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família movimentaram cerca de R$ 3 bilhões em apostas;
  • 70% são chefes de família;
  • A média de gasto mensal por CPF foi de R$ 89,08, com variações que ultrapassam os R$ 3 mil por mês entre os mais frequentes.

Agora pense: isso é só o que foi rastreado via Pix. O número real somando cartões, intermediários e apostas em dinheiro vivo é ainda maior.

Por que as apostas atraem tanto quem tem pouco?

Porque, para quem está atolado em dívidas, sem reserva de emergência e com a geladeira vazia, a promessa de ganhar R$ 500 em segundos parece mais real do que um planejamento financeiro que leve meses para dar resultado. É a ilusão do alívio imediato, movida por desespero e reforçada por algoritmos, influencers e campanhas publicitárias agressivas.

As plataformas não vendem jogos: vendem esperança.

Esperança de pagar a conta de luz.
Esperança de sair do vermelho.
Esperança de se sentir no controle.

Mas quando a aposta falha como quase sempre acontece o buraco é ainda mais fundo.

Impacto no trabalho: o que o RH não está vendo

Essa crise está atravessando os portões das empresas. Já não se limita à conversa de bar ou ao celular no intervalo. O vício está afetando a produtividade, o clima e o resultado das organizações.

Sinais comuns do colaborador afetado pelo vício em apostas:

  • Chega atrasado ou falta com mais frequência;
  • Erra em tarefas simples;
  • Participa menos das reuniões;
  • Está sempre no celular, mesmo durante o expediente;
  • Vive endividado, pede adiantamentos com frequência;
  • Em casos extremos, pede demissão só para sacar o FGTS.

E isso custa caro.

DadoValor estimado
Nº de colaboradores impactados (43%)43 de cada 100 funcionários
Perda de produtividade por dia3 horas
Jornada mensal (176h)2.838 horas perdidas no total
Equivalente em salários16 colaboradores improdutivos
Custo médio por colaboradorR$ 3.000
Prejuízo mensalR$ 48.000
Prejuízo anualR$ 576.000 (sem contar rotatividade)

Isso tudo sem contar afastamentos, aumento de uso do convênio médico, queda no clima e custos com rescisões.

A verdade é que o Brasil vive uma epidemia de vício em apostas — e está tratando isso como se fosse entretenimento. O G1 e o Intercept revelaram histórias de pessoas que abandonaram o trabalho, esconderam dívidas da família, venderam bens, tudo para continuar apostando. Em muitos casos, isso termina em depressão, separações ou pedidos de auxílio-doença.

Se nada for feito, o problema vai continuar crescendo. Não é exagero: os trabalhadores estão trocando o salário pela sorte.

As empresas precisam agir antes que a bomba estoure dentro dos seus times.

A saída começa por três frentes principais:

  1. Acolhimento e escuta: criar canais seguros para que o colaborador possa pedir ajuda sem medo.
  2. Educação financeira de verdade: não é só palestra. É programa contínuo, com ferramentas práticas, apoio emocional e mudança de mentalidade.
  3. Alerta e atuação do RH: é o RH quem pode perceber os sinais antes do estrago. Mas precisa estar preparado e ter autonomia para agir.

Implementar um programa de educação financeira pode parecer custo. Mas é investimento direto em clima, produtividade, engajamento e retenção. E mais: é uma forma de proteger vidas, famílias e comunidades.

Afinal, quando o colaborador se sente apoiado, ele retribui com entrega, foco e lealdade.

E quando a empresa ignora, ela corre o risco de perder muito mais do que pensa, inclusive a própria reputação.

Se você está vendo esse cenário aí na sua empresa, é hora de agir. O jogo está acontecendo todos os dias, do lado de dentro. Mas a aposta certa é investir em pessoas e na educação que pode transformá-las.

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