Como a migração afeta a opinião pública?

A experiência do processo de migração, incluindo o conflito que frequentemente o acompanha, pode ser descrita com estatísticas, números e fatos objetivos. Mas também deve ser narrada a partir de uma perspectiva subjetiva: percepções, medos e preconceitos das pessoas que, como bem sabemos, nem sempre coincidem com os fatos. Para elaborar uma política pública razoável e, sobretudo, socialmente viável, é fundamental conhecer ambas as dimensões, a objetiva e a subjetiva.

Silhuetas de migrantes caminhando ao pôr do sol.
De acordo com a Organização Internacional para as Migrações, o número de migrantes internacionais deve chegar a 300 milhões de pessoas este ano e deve chegar a 700 milhões até 2035. (Crédito da foto: Freepik)

*Este texto é um extrato do artigo “Migração e opinião pública: encontros e desencontros”, publicado na Revista Universitária n.º 177.

Foi somente em 2017 que a Pesquisa do Bicentenário, realizada anualmente pela Universidade Católica, decidiu incorporar pela primeira vez o tema da migração e dos migrantes. Esta pesquisa, realizada desde 2006, buscou cobrir os principais temas do desenvolvimento social chileno: pobreza, conflitos, família, religião e outros, tudo na perspectiva do então iminente bicentenário republicano. Posso atestar que a equipe responsável realizava uma revisão meticulosa dos tópicos relevantes todos os anos, seja para incluí-los como consultas específicas ou para criar séries que pudessem ser acompanhadas ao longo do tempo. Durante os últimos 12 anos, ninguém considerou que a questão da migração pudesse ter alguma relevância no quadro das relações sociais que nos constituem como país. Assim, em 2017 o incluímos e, para nossa surpresa, em pouco tempo, o tema explodiu e se tornou um dos principais conflitos que a população chilena vive hoje. A preocupação com essa questão já é reconhecida, mas os efeitos sobre a criminalidade, o mercado de trabalho, o desenvolvimento dos centros urbanos e até mesmo o processo político-eleitoral ainda são difíceis de avaliar.

Uma pausa pós-pandemia

(…) O crescimento e a relevância da questão migratória nas preocupações dos chilenos não tem sido um processo linear. No período recente, principalmente após 2022 e após a pandemia, observa-se uma ruptura. Estão surgindo sinais sem precedentes de medo e atitudes negativas, até mesmo agressivas, em relação aos migrantes. Pior ainda, há uma crença generalizada de que há uma relação de causa e efeito entre a chegada de migrantes e o aumento da criminalidade e da delinquência violenta. De outra perspectiva, os migrantes pesquisados ​​afirmam estar sujeitos a diversas formas de discriminação e até mesmo agressão por parte dos moradores locais.

Embora ainda seja difícil determinar as causas dessa repentina quebra nas atitudes sociais em relação à migração, ocorrida no período de 2020-2022, há algum consenso em associá-la à entrada ilegal de gangues criminosas organizadas, originárias principalmente da Venezuela e da Colômbia, durante esse mesmo período. (…)

Três jovens imigrantes se encontram em um ponto de ônibus em Santiago.
De acordo com a Pesquisa Bicentenário 2024, 43% das pessoas dizem que não sentem medo ao viajar por lugares onde vivem migrantes, enquanto a proporção daqueles que expressaram medo caiu significativamente no último ano, de 55% para 32%. (Crédito da foto: Cesar Cortes)

Impacto no processo político-eleitoral

(…) A população cobra do Estado e das políticas públicas soluções para o que percebe como ameaça. Em outras latitudes, isso é evidente. As eleições democráticas têm se tornado cada vez mais referendos sobre como abordar o problema da migração. Isso acontece na França, nos Estados Unidos, na Itália, na Alemanha, e não há razão para pensar que será diferente no Chile. O futuro do nosso país, sua coesão social e até mesmo o destino daqueles que governam serão determinados em parte pela evolução do processo migratório e, talvez mais importante, pela evolução das percepções e crenças sobre ele. (…)

Desafios globais e locais

Pensar no desafio de como o Chile e, em última instância, a humanidade enfrentarão o fenômeno migratório é impressionante. Globalmente, o deslocamento humano está atingindo níveis sem precedentes. Em 1980, a Organização Internacional para as Migrações estimou o número de migrantes internacionais em cerca de 100 milhões. Este ano, a mesma organização estima que o número esteja próximo de 300 milhões de pessoas. Esse deslocamento em massa busca a integração em outras sociedades que devem enfrentar o desafio de acolher (ou não) esses novos visitantes, às vezes desesperados. Todas as estimativas indicam que o número continuará a crescer (fala-se de 700 milhões até 2035). Estamos entrando em um novo território, uma tarefa sem mapas ou receitas conhecidas. Apelar à “experiência internacional” pouco fará para resolver este problema específico. Os desafios que o Chile e muitas outras nações enfrentam são um caminho ainda a ser descoberto. (…)

Pesquisa do Bicentenário da UC 2024 e migrantes

A imigração continua sendo uma questão central na opinião pública. 88% dos entrevistados acreditam que o número de imigrantes no Chile é excessivo, aumentando em 28 pontos percentuais em relação a 2020. “Isso é transversal aos diferentes níveis socioeconômicos, inclusive em diferentes áreas do país, não apenas nas regiões onde os migrantes se concentram”, ressalta Roberto Méndez. 

Apesar desta percepção, os relatos de incidentes negativos envolvendo imigrantes são baixos. Além disso, 43% das pessoas dizem não sentir medo ao passar por locais onde vivem migrantes, enquanto a proporção dos que expressaram medo caiu significativamente no último ano, de 55% para 32%.

O contato próximo com imigrantes parece influenciar positivamente as percepções: 40% dos entrevistados mantêm relacionamentos próximos com migrantes como colegas de trabalho, vizinhos ou amigos, e aqueles que têm um vínculo mais próximo relatam melhores relacionamentos com esse grupo.

No entanto, a associação entre imigração e aumento da criminalidade continua sendo uma grande preocupação. “Para uma possível regularização em massa, o Governo deveria primeiro detectar quem tem antecedentes criminais, quem faz parte de gangues, para evitar que essa possível regularização em massa seja prejudicial”, afirma o acadêmico. 

Fonte: PUC Chile

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