Contratos sob a Lei Inglesa com Incoterm FOB: Entre a Prática Comercial e a Técnica Jurídica

No universo do comércio internacional, onde complexidade e pragmatismo caminham lado a lado, a escolha da lei aplicável a um contrato pode ser determinante para o sucesso (ou fracasso) de uma operação. É nesse contexto que a lei inglesa se projeta como uma das preferidas para regular contratos de compra e venda internacional, sobretudo quando combinada com os Incoterms — notadamente o FOB (Free On Board), um dos termos mais tradicionais e, ao mesmo tempo, mais sofisticados do comércio marítimo.

Apesar da simplicidade aparente do termo “FOB”, que indica que o vendedor entrega a mercadoria quando esta cruza a amurada do navio no porto de embarque, sua aplicação sob a égide do direito inglês envolve nuances relevantes — tanto comerciais quanto jurídicas — que merecem atenção especial de advogados e profissionais da área de comércio exterior.

A versatilidade do FOB sob a common law

A grande virtude da common law inglesa está na sua flexibilidade e na valorização da intenção das partes. A jurisprudência inglesa reconhece três categorias distintas de contratos FOB, que, embora compartilhem uma mesma espinha dorsal, diferem quanto ao grau de responsabilidade do vendedor e à natureza da entrega:

  1. FOB Clássico ou “Estrito”: Aqui, o comprador tem a responsabilidade de nomear o navio e contratar o frete. Ao vendedor cabe apenas embarcar a mercadoria no navio designado, fornecendo os documentos necessários ao comprador. Este modelo reflete uma separação clara entre as obrigações de cada parte.
  2. FOB com pré-nomeação do navio pelo vendedor: Nessa modalidade, o vendedor participa ativamente na nomeação do navio, mesmo que o contrato ainda o considere um contrato FOB. É comum em situações em que o vendedor possui maior expertise logística ou quando a natureza da carga exige atenção específica na escolha da embarcação.
  3. FOB com serviços adicionais (às vezes chamado de “quase CIF”): Aqui, o vendedor não apenas embarca a mercadoria, mas também contrata o transporte internacional — muitas vezes atuando como agente do comprador. Esse modelo representa um desdobramento prático da relação comercial, mas ainda sob a roupagem jurídica do FOB.

A existência dessas variantes comprova a maleabilidade do FOB na prática contratual inglesa e reforça a importância de redações contratuais claras e precisas, especialmente no que diz respeito à nomeação do navio, momento da transferência de risco, obrigações de documentação e alocação de custos.

Risco, entrega e título: o tripé sensível

No direito inglês, a transferência de risco não é automática nem implícita — ela decorre do que foi pactuado pelas partes. Embora, tradicionalmente, o risco seja transferido no momento em que a mercadoria ultrapassa a amurada do navio, a jurisprudência revela que, dependendo da redação contratual, o risco pode ser antecipado ou postergado.

Além disso, a transferência de título de propriedade é tratada separadamente do risco. A Lei de Venda de Mercadorias inglesa (Sale of Goods Act 1979) prevê regras específicas para determinar quando a propriedade se transfere — e, salvo estipulação em contrário, essa transferência pode ocorrer em momento distinto do embarque. Isso impacta diretamente em casos de inadimplemento, danos à carga ou disputas sobre o pagamento.

A lição aqui é simples: em contratos FOB sob a lei inglesa, a definição precisa dos momentos de entrega, risco e transferência de título é mais que recomendável — é crucial.

O papel central da documentação

Em contratos FOB, especialmente os vinculados a cartas de crédito, a documentação assume papel vital. O vendedor deve providenciar documentos como o conhecimento de embarque (Bill of Lading), que, muitas vezes, serve como título representativo da mercadoria. A entrega desses documentos ao comprador ou ao banco emitente da carta de crédito não apenas confirma o embarque, mas também viabiliza o recebimento do pagamento.

Vale destacar que, na prática, falhas documentais podem ensejar disputas severas. Um conhecimento de embarque emitido com data errada, ou com um nome de navio divergente do combinado, pode comprometer o cumprimento contratual e até inviabilizar o recebimento do valor acordado. Por isso, é fundamental que os profissionais envolvidos no comércio internacional — advogados, despachantes, agentes de carga e exportadores — atuem de forma coordenada e tecnicamente embasada.

Por que a lei inglesa?

A prevalência da lei inglesa em contratos de comércio internacional não é fruto do acaso. Trata-se de um ordenamento jurídico historicamente associado à previsibilidade, à imparcialidade e à sofisticação técnica. Tribunais especializados, tradição de arbitragem comercial, e jurisprudência consolidada são apenas algumas das razões pelas quais Londres segue como um dos principais centros de resolução de disputas comerciais no mundo.

Além disso, a common law se mostra particularmente sensível às realidades comerciais. Ao interpretar contratos, os tribunais ingleses buscam entender o contexto negocial das partes, priorizando soluções práticas e que evitem o formalismo excessivo. Para contratos FOB — cujas variações são muitas vezes definidas por práticas comerciais tácitas — essa abordagem é extremamente útil.

Considerações finais

Contratos FOB sob a lei inglesa são, ao mesmo tempo, instrumentos eficientes e complexos. A aparente simplicidade do termo esconde um universo de decisões estratégicas que devem ser tomadas com cuidado: quem nomeia o navio? Quando o risco se transfere? Quem arca com quais custos? Quando ocorre a transferência de propriedade?

Mais do que seguir uma fórmula contratual, é necessário compreender a lógica comercial da operação e traduzi-la, com precisão, para a linguagem jurídica. A lei inglesa, com sua riqueza jurisprudencial e flexibilidade interpretativa, oferece o terreno fértil para isso — desde que acompanhada por assessoria especializada e atenção aos detalhes.

Para profissionais envolvidos em comércio internacional, dominar essas nuances não é apenas uma vantagem competitiva — é uma exigência.

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