IA como aliada ou inimiga da natureza

Participação da profa. Dora Kaufman (TIDD)

A profa. Dora Kaufman (TIDD) escreveu o artigo IA como aliada ou inimiga da natureza, divulgado pelo Valor Econômico. 

Apesar dos desafios, a IA oferece soluções promissoras à crise climática. Anualmente, o Fórum Econômico Mundial (WEF) publica o Global Risks Report, que reúne os resultados da Pesquisa Global de Percepção de Riscos (GRPS). Essa pesquisa coleta as respostas de quase 1.500 líderes globais dos setores acadêmico, empresarial, governamental, da sociedade civil, da comunidade internacional e especialistas em temas específicos. O WEF define “risco global” como a possibilidade de um evento ou condição que possa impactar negativamente uma proporção significativa do PIB mundial, da população ou de seus recursos naturais. O relatório de 2024 destaca os cinco principais riscos de curto prazo: clima extremo (66%), desinformação e “fake news” geradas por IA (53%), polarização social e/ou política (46%) e ataques cibernéticos (39%). A inteligência artificial (IA) pode tanto reduzir quanto ampliar esses riscos. Considerando que as mudanças climáticas são atualmente o único risco existencial – risco com o potencial de extinguir a humanidade – vejamos como a tecnologia pode ser aliada ou inimiga da natureza.

Em contraste com as tecnologias das revoluções industriais, que causaramníveissemprecedentesdepoluição, a IA pode parecer limpa e ecologicamentecorreta.Noentanto, isso não é verdadeiro: seus modelos são intensivos em dados e, consequentemente, exigem grande capacidade de processamento computacional, o que resulta em alto consumo de energia e emissão de CO2.

Além disso, são necessários grandes volumes de água para resfriar os servidores e evitar o superaquecimento.

A Agência Internacional de Energia (AIE) observa que a demanda de eletricidade dos datacenters, impulsionada principalmente pelo treinamento e inferência de IA, representa atualmente 2% do total de eletricidade global, e deve mais que dobrar até 2026, ultrapassando, por exemplo, o consumo nacional de energia do Canadá (World Energy Outlook 2024).

A tendência é pressionar cada vez mais as redes de energia mundo afora. Relatórios corporativos mostram a escala do aumento no consumo de água e energia: a Microsoft registrou um aumento de 34% no consumo global de água entre 2021 e 2022, chegando a 1,7 bilhão de galões, e desde 2020 um aumento de 29,1% nas emissões de gases de efeito estufa (GEE). O Google, por sua vez, reportou um aumento de 20% no consumo de água no mesmo período, com um aumento de 48% nas emissões de GEE desde 2019, principalmente devido aos data centers (Google Environmental Report 2024; Microsoft Environmental Report 2024).

Outro impacto ambiental negativo da IA relativamente pouco comentado é o uso de metais críticos como cobalto, lítio, coltan, galho, gálio, cobre, tungstênio e germânio (alguns pertencentes ao conjunto de 17 elementos químicos denominado de “terras raras”) na fabricação de equipamentos, dispositivos e infraestrutura. Esse processo envolve a extração de toneladas de terra, a produção de resíduos tóxicos e a emissão de radiação, gerando danos significativos ao meio ambiente.

Os impactos diretos tendem a monopolizar o debate sobre os efeitos ambientais danosos da IA, negligenciando os efeitos indiretos ou externalidades negativas.

No artigo “From Efficiency Gains to Rebound Effects: The Problem of Jevons” Paradox in AI”s Polarized Environmental Debate” (27 de janeiro de 2025), Alexandra Sasha Luccioni, Emma Strubell e Kate Crawford sugerem, com base no “Paradoxo de Jevons” – que descreve como, à medida que melhorias tecnológicas aumentam a eficiência no uso de recursos, o consumo total desses recursos tende a aumentar em vez de diminuir (William Stanley Jevons, 1865, On the Question of Coal) -, que, à medida que os modelos de IA se tornam mais eficientes, o consumo geral de IA provavelmente aumentará. Esse efeito igualmente afeta as esferas sociais e comportamentais: quanto mais eficientes se tornam os sistemas de IA, maior a adoção por parte dos usuários, ampliando o papel da tecnologia na mediação da comunicação e da sociabilidade.

Apesar dos desafios, a IA oferece soluções promissoras para a crise climática. No artigo “Inteligência artificial e mudanças climáticas” (Revista USP, abril/maio/julho de 2024), Paulo Artaxo, Luciana Varanda Rizzo e Luiz Augusto Toledo Machado apresentam um conjunto de soluções favoráveis ao meio ambiente. A capacidade dos modelos de IA de processar grandes volumes de dados e gerar previsões mais assertivas tem sido crucial para analisar dados climáticos, imagens de satélite e dados de sensores, permitindo a identificação de padrões e tendências regionais e globais.

A IA tem sido utilizada no monitoramento e gestão sustentável dos recursos naturais, como o desmatamento de florestas e o uso da terra em tempo quase real (Dynamic World, dynamicworld.app).

Além disso, a tecnologia é empregada para avaliar a dispersão de poluentes, detectar proliferação de algas em ecossistemas aquáticos e identificar padrões e anomalias.

Quando associada a energias renováveis, a IA contribui para otimizar a eficiência e a confiabilidade das redes de distribuição de energia, prevendo padrões de demanda.

“Desde a concepção de edifícios mais eficientes em termos energéticos até a criação de tecnologias avançadas de captura de carbono, a IA pode promover a implementação de práticas sustentáveis em muitos processos industriais.

A IA pode ser um fator de mudança na agricultura, oferecendo soluções inovadoras para enfrentar os desafios das alterações climáticas”, afirmam os autores.

A inteligência artificial tem o potencial de contribuir de forma positiva para diversas áreas. Um exemplo relevante é o Manifesto Tackling Climate Change With Machine Learning (2019), elaborado por 23 cientistas renomados de IA, incluindo Andrew Ng e Yoshua Bengio. Com 826 referências, o documento aborda 13 áreas de atuação e convida a comunidade de inteligência artificial a se engajar no uso dessa tecnologia para combater as mudanças climáticas.

Se adotarmos o conceito de sustentabilidade como a capacidade de atender às necessidades da sociedade atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas próprias demandas, a inteligência artificial pode desempenhar um papel estratégico ao revelar conexões e insights que escapam à percepção humana.

A IA pode, por exemplo, prever cenários úteis para o planejamento de infraestruturas energéticas resilientes a eventos climáticos extremos.

No entanto, as melhores soluções certamente surgirão da colaboração entre especialistas em inteligência artificial e especialistas em mudanças climáticas.

Dora Kaufman é professora do TIDD PUC-SP, autora do livro “Desmistificando a Inteligência Artificial” e colunista da Época Negócios.

Fonte: J.PUC-SP / VALOR ECONÔMICO – SP

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