Por Enio Klein
A inteligência artificial deixou de ser tendência futura para se tornar uma realidade presente — e barulhenta — no ambiente corporativo. Quase toda semana surge um novo relatório com dados impressionantes. A KPMG divulgou que 86% das empresas brasileiras já usam IA, e 55% dizem ter aumentado a receita por causa dela. A McKinsey afirma que empresas que redesenham seus processos com IA já estão colhendo ganhos no EBIT. A PwC aponta a IA como diferencial competitivo inevitável. A Deloitte mostra que os jovens profissionais já consideram a IA parte do trabalho — e muitos não conseguem mais imaginar suas tarefas sem ela.
Tudo isso pode soar animador. E é. Mas também pode ser perigoso se for lido com pressa ou entusiasmo demais.
Esses números estão chegando aos conselhos, às diretorias, aos comitês, aos líderes de times e às startups que querem se manter relevantes. Eles têm impacto direto na forma como as organizações estão tomando decisões — desde investimentos até reestruturações internas. Em muitos casos, surgem projetos de adoção de IA sem diagnóstico, apenas para mostrar que a empresa “também está fazendo alguma coisa”. Em outros, os conselhos começam a cobrar resultados sem ter clareza do que estão avaliando. E o risco, nesse cenário, não é apenas técnico — é estratégico.
Porque quando o discurso avança mais rápido do que a prática, a frustração vem logo em seguida.
É justamente nesse ponto que líderes e conselheiros precisam exercer o seu papel com mais profundidade. Diante da pressão para inovar, eles precisam ser os primeiros a puxar a conversa para um lugar mais responsável: O que estamos tentando resolver com IA? Qual é a real maturidade digital da organização? Temos dados confiáveis, processos bem definidos, estrutura para implementar e governança para sustentar?
O papel da liderança aqui não é frear o movimento — mas garantir que ele aconteça com coerência. Que a IA seja usada para resolver problemas reais, gerar valor de verdade, e não apenas alimentar uma narrativa de modernização. É fácil dizer “estamos usando IA”; difícil mesmo é provar que ela está trazendo resultado com segurança e alinhamento estratégico.
E isso nos leva à tecnologia em si. Porque, no fundo, a IA é só uma ferramenta. Poderosa, sim. Mas ainda assim, uma ferramenta. E como qualquer tecnologia, ela tem limites. Não resolve tudo, não é neutra, e pode gerar riscos sérios se for usada sem critério: vieses nos algoritmos, dependência excessiva, falta de transparência, decisões automáticas sem supervisão.
Muitos dos estudos que circulam, por aí são baseados em percepções — o que as pessoas sentem que a IA está fazendo em seu trabalho, não necessariamente o que ela entrega de fato. Isso não tira o valor dessas pesquisas, mas exige leitura crítica. É diferente medir o impacto com base em relatos pessoais ou em indicadores financeiros sólidos. E líderes preparados sabem diferenciar essas camadas.
A IA já está moldando como as organizações operam, decidem, contratam e inovam. Mas a maneira como vamos atravessar essa transição depende da qualidade das perguntas que fazemos agora. E da coragem de não seguir o hype quando o que precisamos é estratégia.