IA, Malthus e Asimov: o Futuro Não Está Escrito em Código

Por Enio Klein

Vivemos uma era em que a inteligência artificial deixou de ser uma promessa distante para se tornar uma realidade cada vez mais presente em nossas rotinas profissionais e pessoais. Com isso, surgem previsões extremas sobre o futuro do trabalho. De um lado, os que veem a IA como uma força imparável de substituição em massa — máquinas fazendo o trabalho de centenas, automatizando processos inteiros, tornando profissões obsoletas. Do outro, aqueles que defendem que essa transformação pode — e deve — ser conduzida com equilíbrio e consciência, sem sacrificar os valores humanos em nome da eficiência.

É verdade que a tecnologia pode fazer cada vez mais. Os avanços são impressionantes: sistemas que redigem textos, diagnosticam doenças, otimizam cadeias logísticas e até tomam decisões em frações de segundo. Mas a capacidade de fazer não é justificativa automática para a ação. A pergunta essencial não é o que a tecnologia pode fazer, e sim o que deve fazer. Essa distinção é o que separa uma sociedade que se guia por propósito de outra que apenas reage ao apelo do “possível”.

A narrativa de que tudo será automatizado e que restará pouco espaço para o humano se apoia muitas vezes em observações pontuais, sem considerar os contextos culturais, regulatórios e sociais que moldam a adoção da tecnologia. Cortes de mão de obra existem, sim, mas não representam uma tendência uniforme nem irreversível. Além disso, o trabalho é mais do que produção — é identidade, dignidade, interação social. Retirar o ser humano de cena pode ser tecnicamente possível, mas socialmente desastroso.

Estamos diante de um velho dilema que remete ao embate entre Malthus e o cornucopianismo. De um lado, a visão malthusiana considerando a perspectiva moderna da IA — que projeta um colapso inevitável do emprego diante da automação crescente, como se fosse uma lei natural. De outro, a perspectiva da cornucópia — que aposta na capacidade humana de adaptação, educação e regulação para usar o progresso a nosso favor. A história mostrou que Malthus errou ao subestimar a criatividade e a inteligência coletiva. Talvez estejamos, novamente, superestimando o impacto bruto da tecnologia e subestimando nossa habilidade de moldá-la com sabedoria.

O argumento da eficiência máxima ignora os efeitos colaterais que essa lógica pode provocar. A promessa de ganhos de produtividade não pode nos cegar para os riscos de exclusão, desigualdade e desestruturação do mercado de trabalho. O uso acrítico da IA pode parecer sedutor, mas muitas vezes se apoia em dados enviesados, algoritmos opacos e decisões sem responsabilização clara. O mais rápido nem sempre é mais justo. O mais barato nem sempre é mais certo.

Por isso, precisamos falar de equilíbrio. Um equilíbrio que não nega o avanço, mas que o coloca a serviço da humanidade. A IA deve ser aliada, não substituta. Deve liberar tempo para podermos focar no que nos torna humanos — empatia, julgamento ético, criatividade, senso de propósito. Automatizar o que é repetitivo pode ser um ganho. Retirar o humano das decisões que moldam a vida coletiva, não. O desafio não é técnico. É moral, político e cultural.

Isaac Asimov, que passou a vida refletindo sobre os limites éticos da tecnologia, já alertava: “A questão não é se as máquinas podem pensar, e sim se os homens ainda o fazem.” O papel da inteligência artificial no futuro do trabalho não será determinado pela tecnologia, mas pela coragem humana de escolher com sabedoria. O futuro é — e continuará sendo — uma construção social.

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