O Papa Francisco e o ecumenismo

Pe. Elias Wolff – Docente do Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUCPR

Dentre os ensinos e testemunhos convictos do Papa Francisco, o ecumenismo é um dos elementos que mereceu especial atenção em seu pontificado. À esteira do magistério do Vaticano II, o papa argentino afirmou o ecumenismo como constitutivo do ser e agir da igreja. Em seu primeiro encontro ecumênico como papa, uma semana após sua eleição, ele falou aos representantes das igrejas e religiões que participaram da celebração que deu início ao seu ministério:

Peçamos ao Pai misericordioso para vivermos em plenitude a fé que recebemos como dom no dia do nosso Batismo, e de podermos dar um testemunho livre, alegre e corajoso. Será esse o nosso melhor serviço à causa da unidade entre os cristãos, um serviço de esperança para um mundo ainda marcado por divisões, por contrastes e por rivalidades. Quanto mais formos fiéis à sua vontade, por pensamentos, palavras e ações, mais caminharemos realmente e substancialmente rumo à unidade1. 

Aqui, o Oapa Francisco expressa o programa ecumênico do seu pontificado. E ao longo do seu pontificado, ele realiza esse programa em duas principais formas: primeiro, pelo ecumenismo de gestos, pelo qual expressa sua identidade relacional como homem, na sua vivência da fé e no governo da igreja. O ecumenismo está nas atitudes cotidianas, é existencial. São conhecidas as suas iniciativas ecumênicas e inter-religiosas ainda quando cardeal em Buenos Aires. Eleito Papa, Francisco “primeireia” nos caminhos ecumênicos: uma de suas primeiras viagens para fora de Roma foi para visitar um pastor pentecostal no sul da Itália (2014); foi o primeiro papa que visitou uma igreja valdense na Itália (em Turim, 2015) – note-se que os valdenses estão na Itália há 800 anos; foi o primeiro papa a encontrar-se com o Patriarca de Moscou e todas as Russias, (Patriarca Kirill, 2016) – um encontro de líderes católicos e ortodoxos que não acontecia desde 1054, quando ocorreu a separação entre Oriente e Ocidente. Para Francisco, o ecumenismo no cotidiano da vida é base pra os diálogos oficiais. Ambos requerem a “cultura do encontro” e a “cultura do diálogo”, exigem ouvir com humildade e paciência, e falar com convicção e caridade. Ambos requerem o respeito à consciência alheia, e a capacidade de reconhecer a beleza da diferença que se manifesta na identidade do outro, acreditando na unidade como diversidade reconciliada, e buscando o bem comum.  O Papa não teoriza o ecumenismo, mas o vê como algo prático, vivido nas relações fraternas que caracterizam os encontros entre líderes religiosos, nas declarações comuns, nos projetos de ação assumidos conjuntamente.

A segunda forma do magistério ecumênico de Francisco está presente nas suas 4 encíclicas, 5 exortações apostólicas e em tantos outros documentos, discursos, mensagens e homilias. Aí, a ecumenicidade do seu pontificado manifesta-se na imagem de uma “Igreja em saída”, não autorreferenciada, que busca reformas e a conversão pastoral que lhe possibilitam maior fidelidade ao Evangelho, e assume a sinodalidade que corresponsabiliza todos os seus membros na missão. “Saida”, “reformas”, “conversão”, sinodalidade” são como que notas ecumênicas do magistério de Francisco. Na medida em que a Igreja Católica as vive internamente, melhor se qualifica para o diálogo com as diferentes igrejas, as religiões, as culturas. O método é a conversação espiritual, que possibilita o discernimento conjunto da verdade do Evangelho. Assim, Francisco coloca a Igreja em uma nova situação ecumênica, assumindo “a cultura do diálogo como caminho; a colaboração comum como conduta; o conhecimento mútuo como método e critério”. Com isso, o Papa lança um sopro de ar fresco no panorama estagnado das relações entre as igrejas.  Mostra que “é urgente continuar a dar testemunho dum caminho de encontro entre as várias confissões cristãs” (FT 280). E afirma a esperança que “a unidade prevalece ao conflito” (EG 226-230) se as igrejas se reconhecerem mutuamente movidas pelo mesmo Espírito, que lhes possibilita um “intercâmbio de dons” (EG 246), na alegria do encontro e do testemunho comum do Evangelho no mundo atual.

O magistério ecumênico do Papa Francisco não diz respeito apenas ao mundo cristão, “o ecumenismo é uma contribuição para a unidade da família humana” (EG 245), na busca da fraternidade humana universal (Fratelli tutti) e no cuidado da Casa Comum (Laudato Si´). Ele coloca a igreja na fronteira e para além das fronteiras, expandindo o universo semântico de ecumenismo para incluir as religiões, as culturas, as ciências, a política, a economia, enfim a sociedade como um todo é convidada à convivência na paz e na cooperação em projetos que defendem a vida humana e do planeta. Nesse pontificado, o ecumenismo cristão que busca a unidade na fé em Cristo (cf. Jo 17,21), relaciona-se com as questões sociais para a construção da “amizade social” e com as questões ambientais que exigem uma “ecologia integral”. Tal é o que se propõe na proposta do Pacto Educativo Global, da Economia de Francisco e Clara, no Movimento Laudato Si´, na Fundação Fratelli Tutti. Desse modo, o ecumenismo aparece como um tema transversal no magistério do Papa Francisco, impulsionando a unidade das igrejas na fé cristã como um serviço para a construção da fraternidade humana e o cuidado da Casa Comum.

É preciso reconhecer que o ecumenismo não foi uma das principais prioridades do Papa Francisco. E nos meios ecumênicos, esperava-se que ele tivesse posturas mais incisivas, por exemplo, sobre a hospitalidade eucarística; os matrimônios mistos; ou mesmo que tivesse um pronunciamento sobre o significado atual da excomunhão de Lutero por ocasião dos 500 anos da Reforma Protestante. Mas é inegável que Francisco ampliou os espaços para a continuidade do diálogo entre católicos e evangélicos sobre a doutrina cristã, estruturas de igreja, cooperação na missão. É de se esperar que o magistério ecumênico do papa argentino tenha a devida recepção em toda igreja em seus diversos contextos, impulsionando o movimento ecumênico em suas dimensões social, teológica, espiritual e pastoral. E assim, na medida em que as igrejas progridem nas convergências e nos consensos sobre as verdades cristãs, também poderão responder juntas às interpelações do Evangelho oriundas de realidades como a pobreza, a fome, a desigualdade social, as questões ambientais. Nesse caminhar ecumênico está em jogo “a credibilidade do anúncio cristão” e a realização da plenitude da catolicidade da igreja” (EG 244). Os passos de Francisco nessa direção o fazem “Papa Ousadia”, ecumenicamente profético.

Fonte: https://www.pucpr.br/identidade-pucpr/francisco-nao-foi-por-voce/

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