O que é pacto comissório e pacto marciano?

Dentre os direitos reais, existem aqueles denominados direitos reais de garantia, que criam sobre a coisa alheia um vínculo real com o credor. Como o próprio nome diz, servem para dar maior segurança ao credor, certificando-lhe de que caso o devedor se torne inadimplente, poderá satisfazer seu crédito por meio da coisa dada em garantia. É o caso, por exemplo, do penhor, da hipoteca e da anticrese. Trata-se de instrumento acessório a uma obrigação muito mais interessante para a tutela creditícia do que uma mera garantia fidejussória – como no caso da fiança – pois concede ao credor poderes sobre uma coisa alheia determinada, ao invés de, genericamente, ter que buscar no patrimônio do devedor um meio de satisfazer sua dívida.

Como efeitos, temos que é concedida preferência ao credor no pagamento a outros credores, possibilidade de perseguir a coisa para garantir seu crédito, mesmo que no poder de outrem (sequela), e de executar a coisa dada em garantia para poder receber seu crédito (excussão). Quanto a este último há, todavia, restrições.

O artigo 1.428 do Código Civil considera nula a cláusula que autoriza o credor a ficar com o objeto da garantia caso a dívida não seja paga no vencimento. Trata-se de vedação de uma cláusula já conhecida no direito contratual brasileiro como pacto comissório. A razão da vedação é bastante simples: no momento do vencimento da dívida pode ter ocorrido variação no valor da coisa. Com isso, ao permitir que o credor incorpore ou consolide diretamente em sua propriedade a coisa dada em garantia, poderá haver um enriquecimento sem causa ou, até mesmo, prejuízo, caso a variação seja negativa.

Logo, o caminho normal é a execução do direito real de garantia, nos termos do Código Civil, do Código de Processo Civil e do Marco Legal das Garantias. Em apertada síntese, haverá a alienação forçada da coisa (excussão) para que o valor obtido seja entregue ao credor em conformidade com o que lhe é devido. Se a alienação tiver valor superior ao devido, o excedente é devolvido ao devedor; se aquém, a execução persiste sobre o patrimônio do devedor até que o crédito seja satisfeito. Tudo isso, claro, se o devedor não quiser, voluntariamente, dar a coisa em pagamento da dívida após o vencimento, nos termos do parágrafo único do artigo 1.428 do Código Civil.

As partes contratantes, contudo, têm meio alternativo para evitar a burocracia da execução e a nulidade do pacto comissório. Poderão fazer uso do denominado pacto marciano, em que o credor fica autorizado a se apropriar da coisa dada em garantia, desde que a relação contratual seja paritária, seja feita avaliação do justo valor da coisa por terceiro e que eventual excedente seja devolvido ao devedor. Tais medidas devem estar expressamente previstas no contrato.

A referida cláusula contratual tem ampla aceitação tanto na doutrina quanto na jurisprudência nacional, contando, inclusive com o Enunciado nº 626 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal em favor da sua licitude. Compreende-se que se trata de cláusula que traz segurança tanto para o credor quanto para o devedor, tendo em vista que além de garantir a satisfação do crédito, também assegura que a coisa seja avaliada devidamente, atribuindo-lhe um preço justo conforme seu valor de mercado.

Finalmente, importante mencionar que o pacto marciano é de comum utilização no mercado imobiliário. Portanto, é importante ter muita atenção em sua elaboração e leitura, para que não haja ausência de algum de seus elementos que o desconfigure, transformando-o em um inválido pacto comissório.


Autor: Prof. Dr. José Eduardo Figueiredo de Andrade Martins – Coordenador do curso de “Especialização em Direito Contratual”, da PUC-Campinas.

Fonte: LinkedIn PUC Campinas

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