Quando a Inadimplência Corporativa Atinge o Lucro: A Educação Financeira Como Bússola para as Empresas

Você sabe o que acontece quando um colaborador acorda e a primeira coisa que pensa não é no trabalho, mas no cartão vencido, no boleto que vence hoje ou no aluguel que ele ainda não conseguiu pagar? Sabe o que acontece quando essa rotina se repete por dias, semanas, meses? Ele começa a se calar mais, se distrair mais, se afastar mais. E aos poucos, sem alarde, a empresa começa a perder: produtividade, engajamento, qualidade, clima e lucro.

O estresse financeiro virou parte da rotina do trabalhador brasileiro. E está sendo levado para dentro das empresas, todos os dias, sem filtro. De acordo com uma pesquisa recente da Creditas e da Opinion Box, 71% dos profissionais afirmam trabalhar melhor quando estão com as contas em dia. E 64% admitem que, quando estão endividados, sequer conseguem cumprir tarefas básicas da rotina profissional, como chegar no horário ou manter a atenção. Esses números, sozinhos, já deveriam servir como um sinal amarelo piscando para líderes e gestores de RH. Mas, infelizmente, muitas organizações ainda estão tratando isso como algo pessoal, como se a empresa estivesse imune a tudo isso.

A inadimplência no Brasil não é um problema de poucos. Hoje, segundo o Mapa da Inadimplência da Serasa (2024), são mais de 72 milhões de brasileiros com o nome negativado, e a dívida média ultrapassa os R$ 5.300. Isso significa que, em média, metade do seu time pode estar devendo mais do que ganha em um mês inteiro tentando respirar no limite, apertando o orçamento, ignorando contas e tentando, em meio à ansiedade, produzir, vender, liderar, atender, entregar. Agora imagine quantas ideias boas deixaram de surgir, quantas decisões foram mal tomadas, quantos atendimentos foram mal feitos, quantas vendas deixaram de acontecer por conta disso. O colaborador endividado não é menos capaz. Ele está apenas sobrecarregado, emocionalmente desgastado. E, nesse estado, a produtividade despenca.

O mundo corporativo tem discutido inovação, metas ambiciosas, inteligência artificial e ESG. Mas pouco se fala sobre um dos temas mais urgentes e estratégicos do nosso tempo: a saúde financeira das pessoas que fazem as empresas acontecerem. E sim, é estratégico. Afinal, colaboradores que vivem sob pressão financeira constante se tornam menos produtivos, mais ausentes, mais suscetíveis a acidentes, erros e afastamentos. E tudo isso custa. Muito.

Em uma empresa com 100 colaboradores, por exemplo, se 43% deles estão perdendo em média 3 horas por dia tentando resolver problemas financeiros, como indicam estudos da PwC, isso representa 129 horas de improdutividade por dia. Em um mês com 22 dias úteis, são 2.838 horas improdutivas, o que equivale a pagar 16 salários por mês sem receber nada em troca. Se o salário médio for de R$ 3.000, são R$ 48 mil jogados fora mensalmente, ou R$ 576 mil por ano. E isso é só o começo.

Outro custo oculto está na rotatividade. Quantas vezes um colaborador já pediu desligamento apenas para sacar o FGTS e pagar contas atrasadas? Isso é mais comum do que se imagina. E cada demissão custa. Desde as verbas rescisórias até o tempo e os recursos para recrutar, treinar e adaptar um novo colaborador. O custo médio de uma demissão, considerando todos esses fatores, pode ultrapassar os R$ 50 mil por pessoa. Agora pense: se 10 pessoas por ano pedem desligamento por motivos financeiros, são mais de R$ 500 mil em perdas recorrentes. E tudo isso sem contar o clima que se desgasta, a equipe que sobrecarrega e a cultura que se esvazia.

Enquanto isso, a maioria dos colaboradores segue tentando dar conta do trabalho, enquanto vive sob ameaça de corte de luz, cobrança por telefone, limite estourado no banco e preocupação com os filhos. O salário, por melhor que seja, não dá conta quando não há orientação sobre como usá-lo bem. Educação financeira não é um luxo. É uma base essencial para que cada pessoa consiga transformar sua renda em bem-estar. E quando isso acontece, a empresa também ganha.

A boa notícia é que já temos casos e estudos mostrando que investir em educação financeira dentro das empresas dá resultado. De verdade. Empresas como a TOTVS, por exemplo, conseguiram reduzir seu absenteísmo de 2% para 1% com programas internos de suporte financeiro. Outras companhias da América Latina relataram queda de 40% no uso de linhas de crédito e um aumento na capacidade de poupança dos colaboradores em até 15%, após implantarem ações simples, mas contínuas. E tudo isso sem gastar fortunas. Não é sobre programas complexos, é sobre iniciativas consistentes.

Oficinas práticas, materiais em linguagem simples, plantões de dúvidas, acompanhamento mensal, rodas de conversa, parcerias com especialistas. Tudo isso cabe dentro da realidade de qualquer empresa se houver vontade de cuidar de verdade. E isso começa com o RH. O RH, que sempre cuidou da folha de pagamento, das admissões, da cultura, da comunicação interna. O RH agora precisa cuidar também da saúde financeira. Não sozinho. Mas puxando o movimento. Porque 92% dos colaboradores acreditam que a empresa deveria oferecer educação financeira como um benefício. E 75% dizem que esse movimento deveria partir do próprio RH.

Enquanto algumas empresas ainda tratam isso como “assunto pessoal”, outras já perceberam que funcionário com saúde financeira é funcionário mais produtivo, mais engajado, mais estável, mais comprometido. Empresas que implementam programas nesse sentido já percebem aumento de 9% a 12% na produtividade e até 37% de crescimento nas vendas em times com menor estresse financeiro. Esses resultados são reais e mensuráveis.

Então, a grande pergunta que precisa ser feita é: até quando você vai pagar a conta da inadimplência do seu time sem fazer nada a respeito? A empresa já está pagando: com turnover, erros, atrasos, afastamentos, baixa entrega e queda de resultado. Mas pode transformar tudo isso em ganho, simplesmente oferecendo a ferramenta certa, no momento certo. Educação financeira não é gasto. É investimento. E dos bons.

A inadimplência já chegou dentro das empresas. A diferença está em quem vai ignorar e seguir perdendo, e quem vai usar esse desafio como uma oportunidade para cuidar melhor das pessoas e colher os frutos nos resultados.

A bússola está na sua frente. O que falta agora é decisão.

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