Dentro da sala de reunião, o celular vibra. É mais uma notificação de aplicativos de apostas. Ele tenta disfarçar, mas a ansiedade aparece: nas últimas semanas, já perdeu o horário diversas vezes, pediu adiantamento de salário e anda isolado do time, quando não está apostando, está tentando recuperar o que perdeu no dia anterior
Essa narrativa já não é exceção. O fácil acesso às plataformas, a promessa de dinheiro rápido e estímulos constantes tornaram os jogos de azar online uma epidemia silenciosa dentro das empresas. E isso está afetando a saúde emocional e os resultados corporativos.
Indicadores alarmantes
Um levantamento da Creditas, em parceria com Wellz e Opinion Box, revelou que:
- 53% dos líderes identificaram colaboradores com problemas financeiros por apostas
- 59% relataram queda de produtividade
- 66% perceberam impacto negativo na saúde mental
- 21% notaram aumento na rotatividade
Além disso, dados do INSS registram um aumento de impressionantes 2.300% nos auxílios-doença por ludopatia, de uma média de 11 ao ano (2015–2022) para 276 entre 2023 e abril de 2025
Esses afastamentos não são “problemas pessoais”. São doenças reconhecidas e com custo previdenciário e as empresas estão perdendo colaboradores em plena capacidade produtiva
O prejuízo financeiro
Para entender o impacto, imagine uma empresa com 100 funcionários. Se 59% relatam queda de produtividade, isso representa cerca de 59 colaboradores com rendimento comprometido. Supondo uma redução conservadora de 10% na performance de cada um:
- Salário médio: R$ 3.000
- 59 colaboradores x R$ 3.000 x 10% = R$ 17.700 por mês
- Em um ano, equivalente a R$ 212.400 em oportunidade perdida
E essa conta não inclui os custos diretos:
- Auxílios-doença inesperados
- Afastamento de colaboradores por ludopatia
- Treinamento substitutivo
- Perda de talentos que pedem demissão ou demissão por justa causa
O ciclo invisível nas empresas
Indicador | Valor estimado |
---|---|
Colaboradores com queda de produtividade | 59 (59% da equipe) |
Redução média estimada de performance | 10% |
Custo estimado por mês | R$ 17.700 |
Custo anual estimado | R$ 212.400 |
Auxílios-doença por ludopatia (2023–2025) | +2.300% (média anual subiu de 11 para 276) |
Colaboradores pedindo demissão por clima/saúde | Estimado em 20% do time |
Custo por demissão (recrutamento, treinamento) | ± R$ 50.000 por colaborador |
- Um colaborador começa a apostar no horário de almoço
- A dívida crescente provoca ansiedade e queda de performance
- Ele pede adiantamento, atrasa-se, se isola, erra, adoecendo mentalmente
- Pede auxílio-doença ou demissão, muitas vezes para “sobreviver”
- A empresa perde ainda mais: em clima, investimento, equipe e tempo
O que as empresas podem e devem fazer
Para enfrentar o avanço do vício em apostas dentro das empresas, é essencial que lideranças e RHs aprendam a mapear os sinais, como o uso excessivo de celulares durante o expediente, atrasos frequentes e pedidos recorrentes de adiantamento salarial.
Esses comportamentos, muitas vezes ignorados ou vistos como desinteresse, podem ser reflexo direto de uma compulsão financeira. Mas, para agir de forma eficaz, é preciso também quebrar o tabu: falar sobre apostas não como falha de caráter, mas como um problema de saúde emocional que exige atenção, escuta e suporte. Isso passa por estabelecer políticas claras, que priorizem a orientação antes da punição, e criar uma rede de apoio estruturada, com ações de educação financeira contínuas, apoio psicológico e um canal seguro e confidencial para quem precisa pedir ajuda. É assim que uma empresa protege sua cultura e cuida de quem faz o negócio acontecer.
O vício em apostas online não é assunto apenas de saúde pública. Ele está chegando ao ambiente corporativo, corroendo o desempenho e a cultura empresarial. O custo é financeiro, humano e estratégico. Ignorar é pagar uma conta cara e sem retorno.
Cuidar desse fenômeno exige olhar atento, acolhimento estruturado e educação financeira de verdade. É hora de agir. Suas pessoas e seus resultados agradecem e você ganha o que realmente importa: um time inteiro, presente e saudável.
Gabriel Ramos de Padua