Por Enio Klein
Vivemos um momento em que “inovar” virou mantra. Adotar tecnologia é quase sinônimo de progresso, e quem não embarca nessa onda arrisca ser rotulado como “resistente”, “obsoleto” ou “desalinhado com o futuro”. No entanto, precisamos fazer uma pausa e refletir: o que estamos chamando de inovação, de fato, está nos levando adiante? Ou estamos apenas empilhando soluções, muitas vezes sem critério, sem propósito e sem ética?
A análise começa com quatro premissas desconfortáveis:
Nem toda novidade é progresso.
Atualizar-se é necessário, mas há uma diferença enorme entre evoluir e apenas consumir a próxima novidade tecnológica. A obsessão por “estar na frente” pode levar empresas e governos a adotarem ferramentas que não resolvem problemas reais — ou pior, que criam novos riscos. Progresso exige contexto, alinhamento com objetivos organizacionais e visão crítica sobre impacto social. Inovar sem perguntar “para quê?” é apenas gasto com maquiagem digital.
Nem toda automação é inteligente.
Automatizar processos pode, sim, gerar eficiência — mas também pode cristalizar erros, perpetuar vieses e criar uma falsa sensação de controle. A inteligência, neste caso, está na concepção e no uso, não na ferramenta em si. Automatizar sem redesenhar, sem entender o fluxo ou sem garantir a supervisão adequada é como colocar um avião no piloto automático sem checar o plano de voo. Inteligência exige discernimento humano.
Nem toda IA é ética.
A inteligência artificial não é neutra. Ela reflete — e amplifica — os dados e valores com os quais foi treinada. Quando não há critérios claros de governança, transparência algorítmica e supervisão humana, a IA se torna um espelho distorcido de nossos preconceitos, enviesando decisões em áreas críticas como crédito, saúde, educação e segurança pública. Ética em IA não é opcional. É base de confiança e responsabilidade.
Nem todo dado é seu. 🔐
A cultura do “tudo é dado” transformou informações pessoais e estratégicas em ativos exploráveis. Mas o fato de um dado estar disponível não significa que pode — ou deve — ser utilizado. O respeito à privacidade, ao consentimento e aos limites legais e morais do uso de dados precisa estar no centro de qualquer projeto tecnológico. Empresas que ignoram isso colocam sua reputação e sua legitimidade em risco.
O futuro precisa de mais critérios e menos euforia. Se quisermos construir um ecossistema tecnológico sustentável, precisamos inverter a lógica da urgência pela lógica da responsabilidade. Isso significa envolver lideranças, criar estruturas de governança digital, revisar o papel da ética nos conselhos e, sobretudo, entender que tecnologia é meio — nunca fim.
O brilho da inovação pode ser sedutor. Mas sem critérios, vira cortina de fumaça para riscos invisíveis que, quando se manifestam, cobram caro.
É hora de fazer diferente. E fazer direito.